sábado, 26 de março de 2011

EM/CENA/AÇÃO!

Alguém disse certa vez que só há dois tipos de escritores: os que escrevem e os que não escrevem...

Às vezes... às vezes estou tão povoada de palavras que não consigo escrever ou descrever...

E às vezes... às vezes diante de alguma cena, que sei que é extremamente importante – crucial, mesmo – em minha vida... deixo meu corpo com as palavras e me desloco do corpo... e deslocada de mim, simplesmente assisto... Às vezes são cenas completamente hilárias... outras, pura emoção! Mas... mas há aquelas em que esse deslocar é pura proteção...

Um bom texto no contexto gêmeo é sempre uma excelente peça... E quantos belíssimos e comoventes espetáculos o teatro da vida é capaz de nos proporcionar... são presentes... sempre presentes...

Um dia desses, num desses espetáculos, chorei... Chorei justamente diante da cena em que eu chorava... Quando um ator é capaz de emprestar sua própria emoção à sua personagem, todos os espectadores também se comovem.. E eu assistida ali era muito mais do que as palavras ditas... era, principalmente, as não ditas; e por ter tanto a dizer me calei... nas minhas entranhas as palavras gritavam... discutiam... clamavam à atenção... queriam ser ouvidas... e mais... ser sentidas!
Houve tamanho atropelo entre elas, que no desespero pela tentativa de comunicação, todas se dirigiram às pressas para as cordas vocais... mas, como eram muitas... entalaram na garganta. E o nó que formaram permitiu a passagem apenas de umas poucas... bem poucas mesmo...

E eu ali assistia aquele eu sempre tão seguro, sempre tão falante... ali, diante do outro que no meu silêncio roubava a cena...

E então, ouvi-me dizer com lágrimas silenciosas: “Que belo texto isso daria...”
Algumas outras palavras se arriscavam na tentativa de desvendar o sentimento presente... e vestiam-se com suas melhores significações... mas diante da frieza no outro... uma a uma se viam despidas... tinham as entranhas arrancadas... e esvaziadas sucumbiam... Eram inúteis!
As palavras e os respectivos conceitos por elas formados só servem quando há ao menos um sentido...
A cena por mim assistida era comovente... percebia as linhas, as entrelinhas e as sobre linhas... Eu me via com lágrimas nos olhos e com lágrimas assistia... Mas ambas fomos caladas não com palavras... mas com um olhar...
As palavras do outro eram gentis... doces...mas eram todas tingidas de um amarelo gritante: covardia! Algumas pessoas se escondem atrás de belas palavras... outras se expõem... e as palavras servem igualmente... democraticamente à covardes e heróis... mas os covardes... esses sempre sobrevivem...
E era justamente esse o contexto daquela cena... Um covarde assassinato de um eu... E em lágrimas publicamente expostas uma morria e já era outra que assistia...

E desde aquele momento há tantas palavras em mim... que ainda estou tentando organizar uma fila para que desfilem o belo texto que uma triste história fará nascer... é triste sim... mas sem dúvida um espetáculo para ser aplaudido em pé...
É a vida na sua mais clara expressão...

sábado, 19 de março de 2011

CILADA



“Ciranda, cirandinha, vamos todos cirandar... Diga um verso bem bonito, diga adeus e vá s'imbora!”

“Cabra-cega”?

E, na infância, somos mesmo todos a brincar e gargalhar, juntos e de mãos dadas, iguais... reais? Ou como “anjinhos” a sonhar a utopia da igualdade querida?

A menina na ciranda a girar crescia...

E, no meio da roda, com os olhos vendados, na brincadeira mesclada, sem perceber ou querer, o tempo a perpassava.

Girou, girou... Cansou... Suou! E assim, de repente, do nada, a venda de seus olhos escorregou...

Oh! Dom Quixote e seus moinhos de Vento!

O que seria tudo aquilo a seu redor? Seus olhos habituados à escuridão estariam agora a lhe trair a visão? Seria sua imaginação? Rodara tanto que teria perdido a noção?

Não entendia... Acabara de dizer um verso tão bonito... O mais bonito que sabia... E agora que parada se vira, vira-se cercada de assombração!

E o que seria isso em suas mãos? Todos sem exceção traziam empunhadas afiadas espadas miradas em sua direção: touché! E sua cabeça girava... girava como a repetir não sei... não sei!

Não... Não teria tempo de tentar entender mais nada, ou sequer nada. Seu sorriso de criança já havia desaparecido da face quando sentira o primeiro corte que a fina lâmina provocara e decididamente a despertara!

Não! Não era mesmo um sonho! Todos ali a cercavam e a atacavam... Por quê? Não sabia! E dissera um verso tão bonito... (Deveria, então, ter dito adeus e ido embora!)

Quanto tempo se passara? Enlouquecia, enlouquecera? Esquecera?

Não importa! Não importava mais! Urgia que se defendesse!

Mas, eram tantos a cercá-la e a desferir golpes e mais golpes... Mas, notou em choque que também ela estava armada. Como? Não sabia, mas em sua mão havia sim um sabre com o qual instintivamente se defendia.

Não demorou! Logo entendeu que não bastaria se defender. Cansou! Desmoronou... Até chorou; não adiantou... Nada os detinham! O que será que os moviam?

Quando menina, ali mesmo, naquela ciranda, sempre ficara ruborizada de vergonha – vermelha mesmo –; tímida que era, sentia medo da não aceitação de seus versos, que talvez não fossem tão bonitos quanto os quisessem.

Hoje, Agora! Agora também estava vermelha... Estava banhada com o sangue dos cortes que recebera... E dela, o sangue tudo tingia... Estava fria... Já não mais se reconhecia!
E ao longe ouvia o eco que se repetia: ciranda, cirandinha...

E, afinal, qual era mesmo o verso?

Não importava mais... Agora tudo era o inverso! Reverso!

Não havia mais risos, mãos dadas nem confraternização... Tudo só assombração!

Uma ciranda de malditos fantasmas que com mal ditos versos atacavam com mal ditas palavras a menina que declamara tão belo verso!

Sim! Este instante é mesmo uma ciranda! Ciranda que gira como girava as crianças d'antes... Mas, que não declama versos; os reclama!

A vida gira, gira... Gira! Te entontece... Enlouquece e...

E quem segura sua mão?

Grande Ciranda na qual todos cresceram e desenlaçaram as mãos!

Ah, Dom Quixote e seus moinhos de vento...

De tanto defender-se a menina cansou, desmoronou e até chorou...

E agora deve decidir: abrirá o peito para o golpe fatal? Ou como animal atacará como igual?

segunda-feira, 14 de março de 2011

OUTRA DIMENSÃO

Perdida, louca, desvairada...

Adjetivos que nela atiravam!

E assustada por becos vagava...

Menina assustada; assustada mas valente também! Às vezes calava outras gargalhava.

O fato era que não se conformava; não se sentia daqui, não entendia bem as palavras, delas desconfiava... Sempre achava que elas eram todas grávidas de algo mais...

Os seres daqui dizem algo pensando em outro; e tantos outros tingem suas palavras com ironias e ambiguidades que a comunicação se dá por mero acaso ou quase telepatia...

Mas quando ela ousa desnudar a palavra dita e tantas vezes mal dita, pronto! Chovem adjetivos...

Louca! Não consegue controlar sua imaginação? Doente! Demente! Burrrrrrrraaaa!!!

E tanto se disse, que ela mesma se convenceu...

Mas, um dia... Tresloucada que estava, rompeu seus limites e mudou de dimensão!

Como sempre fazia, sozinha, por becos caminhava... Se real ou imaginário? Como saber, se era só que caminhava...

Pois bem; radicalizara: um belo texto a apaixonara...

E louca que era... Perdeu-se! O que fazer com tantas palavras que tanto podia dizer-lhe... Queria fosse só o que estava ali escrito... Não, não queria as entrelinhas, as metáforas possíveis, as ironias... Queria o texto objetivo – embora tudo fosse ali subjetivo como ela entendia o objetivo - como jamais havia conseguido ser! E o ser do texto dizia que assim o era...

E o texto era tão louco como louca era ela! Ela já estava lá em outra dimensão, abraçada em um texto que parecia tão seu... tão irreal quanto ela... E quando ela finalmente julgou ter encontrado alguém como ela... Quando ela finalmente o abraçou...

Quando emocionada ela o abraçou... Talvez ela mesma não tenha se feito legível... Mas, o fato é que ele com as mesmas palavras tingidas e fingidas a empurrou e com um novo adjetivo acrescentou: assombração! - Sai pra lá assombração!

Perdida, louca, desvairada... E, agora: assombração!

Terá sido um erro de interpretação? Uma alucinação! Aliteração?!

Assustada sim... Covarde não!

Feito fantasma, cada vez mais calada e assustada, a menina caminha por becos e palavras dessa e outras dimensões...

sexta-feira, 11 de março de 2011

ALIMENTANDO A HUMANIDADE

(CADA UM A SUA MODA)

Tudo o que há O que restou São fragmentos que não mais se encaixam
Mosaico destruído Pedaços espalhados Perdidos Corroídos Digeridos
A imagem no espírito permanece Intacta Intacto
O não-entender é agora mais nítido
A carne esfacelada do corpo esquartejado já não sangra Sangrou
Na sangria O sangue sangrado não fora desperdiçado
Vampiros Desnutridos também dele se nutriram
Quando indefesos Pequenos balançavam pendurados nas tetas que
sugavam
O corpo inteiro com eles se arrastava Doava-se
E sem ais deixava-se sugar Esvaziar
Latejava
Tantos desejos
E assistiu os seus perecerem
Eram tantas bocas Tantas carências saciadas
E a arrastavam E os arrastavam
E pendurados Descansados Corpos cresciam Almas pereciam
Envaideciam
No lacto branco que das entranhas escorria Sorriam
E as presas que nasciam Nas feridas que abriam Tingiam de rubro a
saliva que lambiam
Jazia Brotando na mente a semente Incoerente
Cruel o instinto foi desperto (Des)corberto No cheiro da presa já
ferida
E em coro No couro em que batiam um eco ao longe se ouvia
Aca..............................Aca..................................Aca
Dilacerada Ao ser devorada já sabia Entendia
Que ao ser degustada Era vaca o que gemias
Sim Era vaca o que comias...

quinta-feira, 3 de março de 2011

DISPERSAO

Por que estas malditas
lembranças?

Como casa
mal-assombrada; navio-fantasma, a esmo, eu, cada dia, um novo eu, à
toa, sentindo o sangue a me corroer através das veias como poderoso
ácido que me dilui...

Sou novo todo dia!

Não sou o que ontem
fui, me desconheço e assim também os desconheço... São todos
renascidos ao meu redor... Como se não dormíssemos; morremos e de
nós a cada dia outro se forma. Ou nos espalhamos como peças de lego
e de manhã somos remontados de novo num novo... Tipo: 'deixa-me
pensar o que montarei agora...'

Tudo um novo sonho! Uma
nova quimera...

Mas, então... Então,
por que estas malditas lembranças? Memórias que fazem parecer que o
eu-novo já fora eu-mesmo?

E este novo dia? De que
me serve um novo dia, se estou grávida de passados? Grávida de
fantasmas e de dias e fatos que me faltam tanto que sinto tanto e
tanta falta como se nunca os tivesse tido, vivido... Sentido! Como se
fosse desejos; uma necessidade vital... Fatal!

Sei que cada dia ao
acordar sou novo... Não sei quem sou! Não sei quem está ou estará
a meu lado, onde sequer estarei.

Falam em essência;
evolução... Balela!

Em cada  novo dia, cada
despertar, há uma certa magia que como tal não podemos explicar...
Tudo muda de lugar.

Falam de futuro, fazem
planos; outros dizem que há de se viver o presente que é isso o que
há!

Mas, então, pra que
estas malditas lembranças?

Estas malditas
lembranças que fazem suspirar... Levitar! Sentir tanta falta do que
fui, do que vivi como se de fato fosse uma falta de algo que
precisasse desesperadamente alcançar.

Não! Não é verdade
que o passado passou! Ele não passa! É ele que nos faz despertar e
crer que não somos o novo todo dia que nascemos de novo! O passado é
o único presente que se apresenta no dito presente e insistentemente
te repete sem pudor como gralha desafinada: você não é outro, não
é novo; lembre-se....

E a cada novo despertar
o passado passa a recitar tudo o que já fora e roda o filme com
efeitos especiais e com imagens mirabolantes e te prende; filme que
você talvez nem quisesse mesmo ver, saber; recordar! Queria mesmo
mudar! Talvez doa demais ;e talvez ele dure todo o novo dia para
terminar de rodar... E sua cabeça roda junto ,e você e seu mundo
tudo gira numa enorme cilada... salada em que o passado é presente e
o presente não existe jamais... Pois este movimento, talvez se
repita todo novo dia ao despertar... 

O passado não passa!

E, no entanto, o novo
eu se apresenta todo dia... Todo novo dia, em algum novo lugar,
cercado por novos seres... Esperando talvez a revolução; em
vanguarda!

Somos uma maldita
quimera...


Qmerda!