sábado, 29 de janeiro de 2011

INTERPRETAÇÕES

Como naqueles filmes em que tudo está em preto e branco, e do nada aparece alguém com detalhes coloridos, assim todos notavam aquela mulher que passava...
Cabeça extremamente erguida, como se outrora fosse da nobreza, óculos escuros, como se assim pudesse esconder dos outros a alma que a corroía... O que teria nela de tão secreto que quisesse esconder? No entanto, o colorido que expunha era tão chocante que era absurdamente inevitável não olhar... Mas, como seu próprio olhar não pudesse ser visto, sua expressão era desconhecida. Ao caminhar parecia gélida... Poderia se dizer: um iceberg ambulante... Mas, estava longe disso... Mas, como saber sem fitá-la, sem conhecê-la?
Andava, como já foi dito, de cabeça extremamente erguida, e os passos eram apressados, olhares mais atentos notaram as mãos tremulas... Se é que se pudesse chamar aquilo de mãos... Ta bom! Eram mãos... Mas... Mas, não havia pele... A mulher estava absolutamente deformada... Será que não sentia dor? Como conseguira sair de casa naquelas condições? Como conseguira colocar roupas? Como sustentava os óculos naquele nariz também sem peles... E... Aff... O que haveria por debaixo daquele vestido esvoaçante...
Será que tudo se poderia ver? Um coração palpitando entre os pulmões... Estomago e intestinos... Tudo estaria exposto?
Deus! A mulher estava pelo avesso!
O dia estava bonito, um belo dia de sol, porém fresco... Ventava gostoso... E seus cabelos longos e avermelhados esvoaçavam brilhantes como o de gente qualquer... Como se estivesse a passear ou a resolver negócios quaisquer... Parecia não se dar conta, não notar... Não ligar... Sua postura... Sua altivez...
Havia cochichos, burburinhos, todos sem dó nem piedade apontavam a mulher às avessas... Era mesmo uma aberração... E, não era necessário que se dirigissem diretamente a ela, ninguém se dava ao trabalho de ser sutil... Estava estampado na cara, e nos gestos de todos, que a queriam fora dali... Que a queriam trancafiada em algum lugar... Ou talvez em algum tipo de circo como aberração a ser apresentada como atração e distração... Que ali não era o lugar dela... Pois igual não era!

A comunicação é! A boca fala, o corpo cagueta!1 Por debaixo dos óculos escuros, a mulher tudo observava e tudo entendia... Não precisava dos ouvidos... Nada precisava ser dito... Não era telepata, e de telepatia não precisava... Neurolinguística meu filho... Neurolinguística!
E a mulher em carne viva... Vermelho-sangue, cabeça extremamente e exageradamente erguida a passos largos andava entre os em preto e branco...
Que bela cena para ser registrada... Que pena não haver por ali nem um fotografo de plantão... Quem sabe valeria um prêmio... Quem sabe não sairia na capa de alguma revista famosa, chic ou de fofocas... Não importa!
Não importa, principalmente, porque quem viu tudo isso foi a própria mulher do avesso...
Sim... A cena existiu de fato? Não sei! Eu mesma não estava lá... Não posso atestar com certeza... Confesso que apenas soube por acaso...
Mas, sabe aqueles dias, em que você sai de casa, e parece que se esqueceu de vestir algo? Ou àqueles dias, em que todos te olham tanto que você chega a ter a impressão de estar nu(a)? Pois é... Àquela mulher... Tinha certeza que estava do avesso! E quanto mais olhavam pra ela, mais esticava o pescoço e mais alargava os passos... Claro, que queria sair do meio daquela gente sem cor e sem graça... Queria ir pra qualquer lugar... Mas também não queria voltar pra casa... Lá todos olhavam pra ela do mesmo jeito... Sentia-se mesmo do avesso... Ou seria o mundo que estava... Afinal, nada tinha cor... Nada mais tinha tinta ou graça... Graxa talvez... Afinal, tudo era um só limbo... Do avesso, alma penada... Limbo...
Será que morrera?
Não! Tinha certeza, que ainda estava viva... Seu coração palpitava tão acelerado que já parecia entalado na garganta... Cada um daqueles olhares a acertava como uma flechada no peito... Por que no mundo, país, cidade em que nascera era agora tratada como estrangeira... Por que amigos, colegas e conhecidos de tão longas datas agora a olhava com olhos de forasteiros?
Bem... Devo confessar, que também eu a conheci menina... E... Bem... Posso garantir que não era uma garotinha muito normal não... Bichinho do mato... Calada demais... Estranha... Parecia um cofre... Havia nos olhos dela tanto medo... Lampejos de tantos segredos... Mas, depois, mocinha, melhorou... Pareceu-me que aprumaria na vida... É, por algum tempo, pareceu-me ter uma vida normal... Mas, agora vejo que se protegera com máscaras e máscaras e por anos e anos vivera um grande baile de carnaval e nele fez amigos e amantes e nesse baile sorriu e rodopiou... Rodopiou até entontecer... Enlouquecer e cair...
Caiu! E foram tantas danças e tantos rodopios que quando caiu, todas suas máscaras se partiram... E foi assim que se viu no meio da multidão do avesso...
Do avesso?
Do avesso nada! Se sentira do avesso, porque era só ela... Ela de verdade, sem máscaras no meio de tanta gente estranha sem cor e sem graça que fora amigos, amantes e colegas de suas máscaras... E, agora que ninguém mais a reconhecia? E agora que ela mesma enlouquecia com o que sentia? Com o que via e percebia...
Estava mesmo despida na multidão... E despida era só emoção! Mas, aquela multidão que tão bem conhecera um dia... Tudo era um só corre corre e no fim do dia mais um porre... Uma eterna agonia de contar o que se tem o que se quer ter, o que se guardou e o que se projetou... Quem mais trapaceou... Quem ganhou, quem sacaneou... Quem mais poupou? Notou quem está mais bem vestido... Quem comprou o melhor vestido... Quem é aquele maltrapilho? Quanto ganhou com aquele que fez perder? Brindamos a desgraça do alheio? Salut!!! E assim, anos e anos... A vida passou em preto e branco com tudo às avessas...
Então quando caiu... Quando caiu em carne viva... Quando enlouquecida se viu as pressas de cabeça erguida... Percebeu que mesmo dolorida e fugitiva é mais bem acordada e viva... Pois as avessas está o mundo a chorar por dentro... Escondido...
O que fazem os executivos, os advogados, os grandes e pequenos profissionais depois de seus porres (happy-hours) a noite em seus quartos com ou sem companheiros(as)... Pensam às avessas ou tomam seus calmantes e capotam até o outro dia em preto e branco a bailar?
Em carne viva, a louca, às avessas, ou melhor, do lado certo... Pura emoção... Está agora por aí a desafiar a visão de todos... Como a lembrar que a vida meu irmão é muito mais que dinheiro e televisão! Que propaganda e ostentação...
E ela doida varrida agora grita em algum lugar, que todas as águas chovidas, escorridas, que fazem desabar barracos e vidas não são mais do que lágrimas contidas, que nas noites escondidas escorrem não mais desunidas dos sonhos esquecidos para o real mundo vivido, para quem sabe acordar toda uma cidade adormecida...


sábado, 1 de janeiro de 2011

Indignação/barbárie


Eram mais ou menos vinte e duas horas quando minha filha ligou chorando, perguntando se no Hospital das Clínicas havia dentistas... - Como assim??? Não sei! Mas, se tiver só atende emergência! – Mas é emergência. – Você está com dor de dentes? – Eu não, mas o fulano sim! – o fulano está com dor de dentes??? Ela quase perdendo a voz me diz: – Ele foi espancado, está sangrando muito e perdeu três dentes. Como aconteceu??? Por quê??? Pois é... Aconteceu próximo ao metrô Santa Cruz, mais ou menos às dezenove horas... Eram três rapazes, que sem dizer absolutamente nada, e do nada, jogaram nosso amigo no chão e começaram a espancá-lo... Chutes e pontapés no rosto dele, impediram que ele sequer pudesse ver quem o atacava... Detalhe: tudo se passou entre o vai e vem de pessoas... E ninguém... NINGUÉM interferiu!!!
Por quê??? Por que foi espancado? Por que foi o escolhido? Por que ninguém interferiu? Por que essa violência banalizada??? Por quê?
São tantos porquês sem respostas que temo sequer ter o que escrever...
Fiquei mesmo meio zumbi com isso... Mas UM porquê não cala em mim...
POR QUE o preconceito???
Por que o porquê do preconceito?
Pois é... Esse menino... Esse menino, que agora entre os seus cuida das feridas, tem na verdade uma alma de menina... Eu o conheço já faz alguns anos e nunca deixei de notar o conflito em seus olhos...
No começo era um não-entender a própria natureza; e também o vi se tornar cristão na tentativa de buscar proteção e forças para reprimir o que não entendia... Depois o vi mais maduro e embora discreto já não lutava mais contra a sua natureza... E quando ele finalmente se abriu pra amiga – minha filha – eu o admirei ainda mais e fiquei feliz pela auto-aceitação...
Não quero tecer aqui explicações sobre o como ele(a) é uma boa pessoa... Não vou fazer isso!!! Ele é um amigo... E como todos os que tenho não é perfeito e nem se pretende ser... Não escolho meus amigos pela orientação sexual... Mas, isso não tem nada a ver com a estupidez que fizeram com ele... Ele poderia ser uma bixa espetaculosa... Ele poderia ser um espúrio... Poderia ser o que quisesse... e mesmo assim... Não estaria justificada tamanha barbárie... Percebam que ele nada fez para ser espancado... Foi a presença, a simples existência dele que ofendeu tão machos rapazes...
Por que o diferente choca tanto??? Quem foi que nos ensinou que direitos iguais exigem que sejamos iguais??? Que sintamos iguais??? Que desejemos iguais??? Quem foi que ensinou que o que faço com minha bunda, seja da conta do outro??? E se fosse??? E se eu te cantasse agora??? Estaria te ofendendo??? Por quê??? Não tenho o direito de desejá-lo???? Se sou do mesmo sexo que você, você se ofende??? Por quê??? Tem medo??? Medo de aceitar??? De gostar??? De se sentir lisonjeado(a)??? Ora, façam-me o favor.... As pessoas discutem política... Discutem arte... Discutem tudo o que julgam ser cult... E, no entanto... No entanto, não sabem sequer lidar com o diferente ao seu lado... E pior... Levantam a bandeira contra a alienação e, no entanto, quando testemunham uma barbárie dessa... Passam rápido... Não olham muito... Melhor... Fingem não ver! Não se comprometem!!!
Estou exagerando??? Vão me dizer que as pessoas “cabeças” estão/estavam? todas aqui na net e, que naquele momento, não havia passando por ali, ninguém suficientemente esclarecido para ao menos chamar a polícia??? Tudo é muito bizarro...
Não sei bem o que é ser igual... Mas, talvez, só talvez... Sejamos iguais justamente pela capacidade de ser diferente o tempo todo... Por essa capacidade de se metamorfosear... Somos iguais por termos igualmente a capacidade de em mesmas circunstâncias e ambiente sermos o que sentimos necessário ser... E esse ser necessariamente não tem que coincidir com o ser ao lado... E sobre igualdade... Alguém acredita mesmo que os direitos são iguais??? O Caráio! Não entendo o conceito de igualdade... Deve mesmo ser ignorância minha...
Que fique aqui registrada minha indignação!
Vou voltar mais tarde e vou falar sobre sexo, que é a proposta desse
blog... vou continuar falando de sexo... do jeito que me der vontade
de falar... Se quiserem me taxar de vulgar... de vaca... tudo bem...
Por que o que me indigna nessa vida... não é a forma com que falamos
ou fazemos sexo... O que me indigna é a imoralidade é a falta de
ética com que as pessoas tratam as outras quando não há nenhum
vínculo sexual entre elas... é muito fácil arrotar intelectualidade
e ética nos artigos e nos livros... assim como é fácil fazer a côrte
e tentar impressionar com palavras bonitas àqueles que queremos
comer... ou dar... o difícil é estender a mão, a compreensão o pão
ao necessitado a frente... ao lado... na multidão..
MERDA!!!