quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

PHOENIX

Morri!

            E tantas vezes morri...
            E tantas vezes em luto assisti um outro eu comovido com o funeral do
            eu que vira agonizar... Que hoje me pergunto se quem morria era o eu
            que perecia ou o outro que como feto apodrecia...
            Eis que de todos os eus... o que nunca consegui matar é justamente
            esse eu tão subjetivo... E aí me vem você... É! Você, caro leitor, e
            me pede mais objetividade... A única objetividade que conheço é
            justamente aquela que me mostra o subjetivo desse mesmo objetivo...
            hein??? Vamos! Seja mais objetiva, ouço o tempo todo... Mas de que
            objetivo estás falando... Daquilo que você vê? Mas, se é você quem
            vê, como poderei ver igual??? Ora, por favor... seja subjetivo para
            que eu, quem sabe, consiga entender de forma objetiva...
            Afinal, afinal morri mesmo... Mas morri outra... Claro que vi você
            em meu enterro... e agradeço as flores que levaste... mas as suas...
            as suas, diferente das outras que recebi... não eram banhadas por
            lágrimas de saudades... e não poderiam mesmo ser... era outra que
            matara... aquela era produto da consciência que tu mesmo
            produzira... e era tão objetiva... não era??? Mas, sim... as flores
            que levara, sabia que era para já seduzir a outra que nascia... Mas
            a outra... A outra também já era outra... Você tem o hábito de
            confundir tudo...
            Sei que não morri em vão... é preciso mudar... e talvez seja
            necessário mesmo... talvez tudo o que faça sentido seja essa
            mudança... Mas já morri tanto, que temo nunca mais tirar o luto... é
            um eu que se vai... e um eu que chega... um eu deteriorando e um eu
            comovido que se (re)faz... e quando penso que finalmente sou eu quem
            aqui se assume... já agonizo com a visão do eu em preto que se
            aproxima...
            É isso! Por que essa melancolia? É que estou prestes a morrer de
            novo... e você... e lá vem você cobrar a objetividade de novo...
            ahhhhhh, quer saber? É você o fantasma... é você quem morreu sem
            ninguém para assistí-lo... você morreu e não percebeu... andas
            vazio... zumbi... e só andas por sugar tantos eus que canso de
            enterrar...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

HOMO HIPOCRITUS

(O outro) – Ciumenta...
-– Ciumenta, eu?
 Claro que não, ciúmes são para não-civilizados.
Amor, paixão... Atração sexual, feromônios!
 Há várias maneiras para se discutir e justificar um relacionamento; mas no final de toda a discussão sobre o tema sempre se acaba apelando para o politicamente correto... Sempre o racional é chamado para justificar e controlar o bicho em nós...
Bichos domesticados não têm vontade... Não podem ter... Devem sempre se comportar... Obedecer... E, humildemente reconhecer o seu lugar... Bichos domesticados são bonzinhos... Educados... Não atrapalham... Fazem xixi e coco onde foi indicado... São treinados... Devem se calar quando mandarem e devem de cabeça baixa e abanando o rabo se dirigir ao dono sempre que solicitado... Devem sempre estar dispostos a um carinho, mesmo que com dor de dentes ou barriga... Bichos com personalidades são selvagens... São bárbaros e por isso mesmo inconvenientes e merecem ser banidos do convívio social..( O que aliás agradecem de antemão...)
Pois então... Onde foram parar nossos instintos... O que aconteceu com o bicho em nós??? Morreu??? Claro que não, do contrário não teríamos teses cientificistas a respeito de feromônios, por exemplo... Ahhhhhhhhh, dirão alguns que está submetido ao comando da razão... Afinal sempre fomos muito mais do que reles animais... Somos animais racionais!!! Ou... Animais autodomesticáveis...
Pois estou cansada de tagarelice... Minha razão me avisa o tempo todo dos perigos e incoerência das paixões e no entanto... No entanto, ela nada pode contra minhas tendências... Acabo sempre me dando... Me entregando... Desejando o que ela me diz ser pernicioso... Então, quero que se cale em mim a voz estridente, irritante e impotente da razão... Que mais parece aquela tia velha e recalcada reclamando obediência e repressão o tempo todo e que no entanto não tem fôlego para alcançar o traquina desobediente que insiste em correr atrás do que tem vontade... Cansei... Separemos o joio do trigo... Razão é razão e paixão é paixão!!! Cada um, cada um!!! Se for para elaborar uma tese para o bem da humanidade que se apresente a razão com sua orgulhosa sapiência... Mas se o assunto for paixão que seja então sepultada a tia velha... Se fui fêmea e me dei... Se fui fêmea pra em quatro patas me servir a você e recebê-lo completamente em minha carne... Em minhas entranhas... Se depois do gozo, como simplesmente fêmea, lambi o resto de seu sêmen... Se fui fêmea para como qualquer outro animal acasalar com você e com você me lambuzar nesse cio... Quero também marcar meu território... Quero mijar em você!!!! E assim todos estarão avisados... E, se teimarem... Se ousarem se aproximar do meu macho... Ai então terão que ser só bicho também... Quero morder... Quero ofender... Quero arranhar... E, descabelada, ,babando e urrando bater no peito e gritar que o que conquistei como animal... Como animal defenderei... Estou cansada da civilização... Todos escondem seu animal atrás de etiquetas e amabilidades... E, é só da sutileza que nasce a crueldade... Estou cansada de hipocrisias... O homo sapiens fácil se tornou o homo-hipocritus...
Ciúmes??? Eu ??? Que besteira... rs

domingo, 28 de novembro de 2010

VAZIO


Choque...
Foi isso...
Entrei em choque!
Queria contar para vocês; mas como contar, se estava ainda em choque?
Queria escrever, e simplesmente não conseguia!
Ai, fiz o seguinte exercício: arregalei bem os olhos... Bem mesmo. Sei que diante deles há todo um mundão, milhares e milhares de coisas, e minúsculos detalhes... Por meus ouvidos entram, a todo o momento, todo o tipo de merda audível, algumas, não posso negar, são até bem carinhosas, mas, merdas! Em choque nada parece significar nada mesmo.
Mas, Vamos ver se transformo isso em algo mais palpável...
Parece que de repente me transformei em um móvel velho... E, esse agora se infestou de cupim... É, deu cupim em mim! Estou me desfazendo... Desfazer! Que bela palavra! (des)fazer! Era feita, agora me (des)faço! Me (des)fazem! É isso! Qualquer dia, simplesmente (des)apareço! Não porque fui embora, porque desisti... Não! Simplesmente porque sucumbi... Esvaziei! Esvazie de vez mesmo! Os cupins... Os cupins tão pequenos... Criaturinhas tão insignificantes, mas de tantos que eram a me corroer por dentro, pluft! Me (des)fizeram!
Não importa!
Arregalei bem os olhos até que ardessem... Senti mesmo que avermelharam, senti as lágrimas que os umedeceram... Queria sentir meus olhos tentando se olharem... Tentando imaginarem o próprio olhar... Queria o flerte dos meus olhos! Não, não! Queria o espelho! Sei que o espelho me daria o oposto do que queria, o oposto do próprio flerte...
Sabem o que percebi neste esforço?
Nada!
Nada mesmo!
Me perdi, Me afoguei nas mágoas e águas em que tanto nadei nesses dias, dias que pareciam não mais acabar... Tudo era só um dilúvio que transbordava... Dias em que meus olhos como duas minas ou lençóis deixavam fluir incansavelmente as águas que minha alma ainda tenta justificar... Purificar... Perpetuar!
Mas, para que explicar... Deixa a emoção transbordar... Deixa chorar... Só recolhe o sal...
Quem sabe, tempere ainda sua carne tão sem sabor... Sem cor...
Recolha sim o sal... Quem sabe algum desavisado nele deslize e também sinta dor...
Estes olhos que agora arregalo, como aqueles que crianças famintas trazem, foram minas, rios e mares e transbordaram, concretizaram em águas tanta dor que não sei quantas ave-marias seriam necessárias para calar tamanha aflição, desamor, frustração...Queria mesmo era partir... Desistir! Haveria quantidade suficiente?
E o choque foi convertido em água! Água benta? Não, claro que não, pecadora que sou... Água magoada! Água maldita! Daquelas de jogar na privada e dar descarga... Daquela de ninguém por a mão que talvez pegue a má sorte... Choque! E nada escrevi... Chorei!
Mas, agora estou escrevendo, não estou! Arregalei os olhos, e agora eles só ardem... Já Passou!
Agora, estão secos, secos feito o nordeste, como o nordeste de Severinos e Marias... E não é a toa que sou também Maria... Maria vazia, como as barrigas de Severinos, como aquele moço, Severino também, descrito em poema tão bonito por aquela alma tão bonita de poeta de alma cheia e bendita...
Maria vazia e malas cheias e (re)feitas... Alma corroída de novo dolorida. Malas feitas... Alma quase pronta... Se (re)fazendo... Almas se (re)fazem... Quando não, no choque, se perdem para sempre... Talvez as almas penadas que tanto se falam por aí... Não sejam as almas de mortos rebeldes... Talvez apenas de vivos em choque! Zumbis!
Enfim, malas prontas, alma quase (re)feita... E em outro porto serão (des)feitas e (re)feitas mesmo que nunca (per)feitas!
Alma rapariga... Alma dependente de um corpo carente... Talvez dois...
Olhar bem arregalado que percorre paredes vazias...
Mas, cadê essa alma vagabunda corroída? Eu a sinto, mas não a vejo...
Há um silêncio imenso dentro de mim... Mas um silêncio tão grande que incomoda tanto que parece querer gritar...
Será que grita ainda?
Será que gritará algum dia?
Quem será que dará a bofetada que me fará respirar novamente?
Quem me ressuscitará?

Será o silêncio mudo?!

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Véspera

Ouve-se aquela insuportável musica do gás... Abre-se o olho e, milímetro por milímetro, vai se enxergando cada pedacinho do que a rodeia... Roupas espalhadas... TV ainda ligada... Por alguns minutos fica-se ali... Imóvel... Os pensamentos todos se misturando com o que se vê e ouve... Há um misto do que é “real” do que foi, do que será e dos sonhos... Sonhos sonhados apenas há alguns momentos ainda adormecidos... Sonhos adormecidos sonhados há muito... E sonhos vividos e vívidos ainda, mas... Mas... Sonhos que também passaram... E ainda tantos outros que parecem brotar... Latentes ainda... Talvez não sonho ainda... Talvez só uma esperança de novos sonhos surgirem...Imóvel fisicamente, tenta-se organizar tudo... Fragmentos de sonhos, televisão vomitando os mesmos excrementos, tentando incansavelmente fazer com que não se pense no que se pensa ou poderia pensar... Mas, como diria o Raulzito a respeito do rádio: é só desligar o botão...
Num primeiro movimento catatônico, senta-se à beira da cama... Maquinalmente passa-se a mão aos cabelos... Gesto bem útil... Se alguém o assiste terá uma imagem mais agradável após esse ajeitar e talvez se perceba também a desolação que levou ao gesto... Como é possível um gesto tão simples significar coisas tão opostas: preocupação com a imagem e desolação? Tudo mexido... Tudo revirado... Tudo confuso...
Levanta-se com passos incertos... E, segue-se o ritual matinal: coloca-se a água do café no fogo, e enquanto espera-se que a água ferva, segue-se o ritual de higiene... Olha-se no espelho próximo a pia... E, observa-se, todo dia, como se fosse uma grande novidade o que se vê... Cada dia é um diante do espelho... Sempre um estranho... Enxerga-se um novo sinal, um novo cravo, um outro inchaço nos olhos... Mas, cada pequeno e novo detalhe dão ao todo um ar estranho... E como negar que esse olhar... Mirar... Fitar o estranho no espelho não faz parte da higiene pessoal? Talvez poucos notem... Mas, o espelho proporciona muito mais do que apenas a verificação física... O espelho é sempre uma revelação!
Escuta-se a água ferver... E a cabeça acompanha o ritmo... Tudo misturado... E há tantos componentes explosivos... Melhor apagar o fogo... Melhor tentar como em alquimia misturar os ingredientes certos e transformar algo insignificante em algo valioso... Açúcar, pó de café, proporção, água, um coador... Hummmmmmmmm que cheiro bom o de café fresco! Às vezes, erramos na proporção, o cheiro é bom, mas o paladar denuncia o erro... Pode-se ajeitar: um pouco de leite, mais açúcar... Quem sabe adoçante, creme de leite... Manteiga... Chantili!
Segue-se o ritual, e cada um tem o seu. Se tudo deu certo, nesse primeiro momento, senta-se e degusta-se algo quentinho e saboroso... Pode-se estar sozinho ou acompanhado... Nunca importa... Dificilmente a cabeça estará vazia a espera do novo... Ela não para! É possível que se escute o falso roncar de alguém que já fora um sonho sonhado, vivido e vívido... Um sonho acordado que agora apenas finge dormir para adiar a visão do pesadelo que parece ter desfeito as malas onde antes parecia um lugar mágico... O mundo dos sonhos reais... O café com leite conforta o corpo e escorrega goela abaixo... Todo o aparelho digestivo parece em festa e é possível realmente sentir o conforto que o corpo sente... Mas, a cabeça... A mente... A mente não sabe o que mente e o que é real... No mundo dos sonhos é sempre tudo possível... No mundo dos sonhos os pesadelos também sabem se fazer presentes... De grego... Mas, presentes...
A cada amanhecer diante do espelho, escutando-se o borbulhar do que ferve, estamos todos mesmo sem saber a esperar... A esperar que tudo se harmonize... Que a alquimia dê certo... Mas, cada momento desses que se repetem religiosamente todos os dias de nossas vidas... É apenas a véspera de seja lá o que for... Alegre ou triste, satisfeito ou infeliz, acompanhado ou só... Todo dia diante do espelho... Diante de nós, quem sabe... Estamos diante de nada! Vivemos apenas a véspera de algo... Esse algo que nos surpreenderá a qualquer momento... Talvez... Só talvez, esse momento de que falo pode não ser a véspera de algo... Mas, o grande momento... Se quiseres, num dia desses, numa véspera qualquer... Alguém mire o vazio do espelho e faça desse momento o fato...
Afinal quem é que decide o que é a véspera e o que é o fato?